Artigos

Relato de Experiência Apresentado no VII Encontro Nacional de Ensino de Geografia
FALA PROFESSOR, promovido pela AGB-Associação dos Geógrafos Brasileiros na
Universidade Federal de Juiz de Fora


RELATOS DE UMA EXPERIÊNCIA SOCIALIZADORA DO MÉTODO PEDAGÓGICO DA ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA AOS CONDENADOS – APAC
Autor: Pedro José de Souza, UFSJ (Universidade Federal de São João del-Rei), pjsminas@yahoo.com.br


INTRODUÇÃO:

Esse texto apresenta o relato de experiências vividas entre os recuperandos da APAC – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados da cidade de São João del-Rei, Minas Gerais. Procuramos mostrar pontos da metodologia pedagógica da APAC, bem como o que a difere do sistema tradicional que é representado pelas prisões comuns, destacando as ações educativas do método que contribuem com a mudança de comportamento e a inserção dos recuperandos à sociedade. Os momentos de maior aprendizado foram, realmente, quando se tinha o contato direto com os recuperandos e os seus depoimentos; é quando eles tinham a oportunidade de falar sobre suas vidas, tantas vezes difícil, dura, que os deseducou. Um dos objetivos desse relato é estabelecer a relação antagônica que existe entre o modelo disciplinador e educativo do sistema tradicional, falido e a metodologia ressocializadora da APAC. Também se busca conscientizar a sociedade de sua responsabilidade na questão das populações em situação de vulnerabilidade social, que estão privadas de suas liberdades e excluídas de condições que garantam o real exercício de suas cidadanias. A maioria delas não estiveram nas salas de aulas, ou passaram pouco tempo. Frequentaram a escola da criminalidade e hoje estão na “faculdade” do crime que são os presídios e penitenciárias.

Palavras-chave: APAC, recuperandos, educação.


METODOLOGIA:
Os relatos foram obtidos, inicialmente, através da participação no primeiro Curso para Formação de Educadores Sociais Voluntários da APAC, por meio do contato direto com os recuperandos no trabalho como voluntário, através da observação dos mesmos e da prática das pessoas que estavam envolvidas na aplicação do método: psicólogos, assistentes sociais, advogados, funcionários do quadro administrativo e os próprios voluntários mais antigos. Como referencial teórico, utilizamos como comparativo à metodologia APAC, as semelhanças com a abordagem educacional de Paulo Freire e a Psicologia Humanista de Carl Rogers. Os presos passaram por experiências negativas, seja na família, na escola ou na sociedade. A APAC surge como um método disciplinador, porém levando o recuperando a tomar consciência de suas ações. O meio atual em que ele convive, propicia essa nova tomada de atitude, a convivência na APAC estimula isso. Portanto, ele é educado a tomar consciência de seus atos, mas não sozinho e sim mediatizado pelo novo meio em que convive. Para Freire (2005, p. 79): “...ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo”. É estimulado também que o recuperando alcance a verdadeira liberdade, mas por um esforço e vontade pessoal. Além de toda a análise do histórico de comportamento do presidiário, uma das exigências para a entrada do mesmo na APAC, é a assinatura de próprio punho, demonstrando vontade de ir para a APAC. Na metodologia APAC, não existe a figura repressora do policial, algemas, grades. É estimulada na APAC a autodisciplina, os próprios recuperandos são responsáveis pela disciplina, através do CSS, Conselho de Sinceridade e Solidariedade. O recuperando passa por um processo educativo intenso, a instituição é lugar educativo. Para Rogers (2008, p. 138),
A disciplina necessária para alcançar as metas do estudante é uma autodisciplina, reconhecida e aceita por aquele que aprende como sendo uma responsabilidade sua. A autodisciplina substitui a disciplina externa.

DESENVOLVIMENTO:

Dentro do sistema tradicional de cumprimento de pena, a valorização humana é quase uma palavra de luxo, ou seja, tem-se a idéia de que o mínimo que o preso tenha,já é muito. Ainda existe enraizado na mente das pessoas esse pensamento, nada humanizador. Um dos grandes problemas da criminalidade é a reincidência. As prisões são um verdadeiro caos, onde o sujeito sai pior do que entrou. Não queremos entrar no mérito das causas dessa realidade social. O nosso foco é na metodologia educacional empreendida pela APAC em contraponto ao método tradicional. O interessante é que dentro das cadeias, existem as escolas, os professores que vão até os presídios passar o seu conteúdo, porém que ainda se utilizam do método tradicional, ou seja, a educação que meramente transfere um conteúdo, sem um diálogo, uma motivação para a mudança de vida. Para Freire (2005, p.68),
Não é de se estranhar, pois, que nesta visão “bancária” da educação, os homens sejam vistos como seres da adaptação, do ajustamento. Quanto mais se exercitem os educandos no arquivamento dos depósitos que lhe são feitos, tanto menos desenvolverão em si a consciência crítica de que resultaria a sua inserção no mundo, como transformadores dele.

Muitos profissionais da educação ainda vivem esse tradicionalismo, muitas vezes preso a uma organização escolar e currículos, que meramente ficam no papel, tendo dificuldades de encontrar saídas. O que se percebe na metodologia tradicional é que não se trabalha uma educação que vise ajudar a pessoa por inteira, com o enfoque nas questões culturais, sociais, psicológicas, econômicas da pessoa. A realidade no sistema tradicional, e parece que, principalmente nas escolas públicas, é aquela que serve meramente como reprodutora desse sistema opressor e não de transformação das realidades sociais. O método APAC trabalha sobre outro olhar, além das diferenças, que valorizam o ser humano, no que diz respeito à assistência à saúde, ao atendimento psicológico, assistência social, assessoria jurídica e a diversos outros pontos do método, a alfabetização dentro da instituição é obrigatória. Porém, essa obrigatoriedade é livre, na medida em que a pessoa já entra sabendo dessa condição, ela assina um termo comprometendo-se a seguir as regras e durante a assimilação da metodologia ela entende que a finalidade educativa não é meramente um depositar de informações, mas com um objetivo de formação humana para realização de sua cidadania. E existem aquelas pessoas que ou não estão preparadas ou ainda não desejam assimilar o método, não dando conta de internalizar a metodologia, cometem falhas e voltam para a realidade do Presídio.
Na busca pelo aperfeiçoamento constante do método, os seus responsavéis, antes procuravam os internos quando estes fugiam da internação. Contudo, hoje, essa atitude não é mais adotada. A APAC oferece um espaço facilitador para o crescimento psicológico e para o desenvolvimento dos potenciais, estimulando o recuperando a também retomar a responsabilidade por si mesmo e por sua recuperação. Para Rogers (2007, p.38) “os indivíduos possuem dentro de si vastos recursos para a autocompreensão e para a modificação de seus autoconceitos, de suas atitudes e de seu comportamento autônomo” Ele assume a responsabilidade por seus atos e escolhas, sabendo que, inclusive, isso pode significar seu retorno ao presídio. O efeito dos estímulos proporcionados pela liberdade da metodologia APAC são as escolhas de caminhos positivos e construtivos na maioria dos recuperandos, no qual o grau de reincidência no crime é consideravelmente menor do que no sistema tradicional. Existe esse foco na alfabetização dos recuperandos também pela realidade em que a maioria dos presos e condenados se encontram: desqualificados para o trabalho, com pouca escolaridade. Muitos deixaram cedo os estudos, devido às dificuldades sociais e econômicas, à sua desestrutura familiar; foram expulsos das escolas por onde passaram. No depoimento de um dos recuperandos, ele relatou que foi expulso duas vezes do colégio, era um aluno que não respeitava ninguém, seus outros dois irmãos também encontram-se presos e se envolveu no crime através do universo das drogas. A maioria está envolvida com o tráfico, sendo este uma das principais causas da criminalidade. No depoimento desse recuperando, ele nos relatou que ninguém lhe estendeu a mão para ajudar, que eles são considerados os lixos da sociedade, até surgir a oportunidade de ir para a APAC, o que mudou completamente os rumos de sua vida, ali ele voltou a ter dignidade. No depoimento de outro recuperando, ele nos relatou que foi expulso de quatro escolas, percebendo-se aí um padrão: jovens que entram no mundo do crime, um dia já foram expulsos de suas escolas. Existe aí, aliado a toda uma infraestrutura inadequada, talvez uma insistência na aplicação de um modelo pedagógico fracassado em que para Fortuna (1995, p. 107),
Na esfera da disciplina escolar, tais atitudes configuram a adequação do comportamento do aluno àquilo que a escola ou o professor deseja, de modo que só é considerado indisciplinado o aluno que não se comporta como o professor quer. Obediente, o aluno está... anulado como sujeito.

 Esse recuperando que foi expulso quatro vezes da escola, hoje, como um dos recuperandos modelo da APAC de São João del-Rei, dá palestras em escolas e disse que o que mais gosta é de falar para as crianças, que pensa-se muito em quem já cresceu e já praticou o crime e se esquece das crianças e ele gosta de falar também aos professores que hoje também se deparam com esses alunos “problemas” , dizendo-lhes para que dê mais atenção aos mais problemáticos, assim, quem sabe, não sejam facilitadores que ajudem a mudar os rumos na vida dessa criança, desse jovem. “Os facilitadores da educação, quando aceitam com empatia os manifestos dos estudantes, comunicam-lhes sua compreensão. Assim, a relação terapêutica está especialmente direcionada aos indivíduos que têm conflitos, que lutam consigo próprio e com o meio ao qual estão mal-adaptados (ROGERS, 2005).


CONSIDERAÇÕES FINAIS:

O educador e o educando necessitam urgentemente de uma mudança na forma de se relacionarem no ambiente escolar. As práticas que assistimos são significativamente formadoras de pessoas sem capacidade de se tornarem seres críticos e autônomos, com condições de exercerem plenamente sua cidadania. Essa é uma grande e nobre tarefa para o educador. Todos sabem das dificuldades, da desestrutura dos estabelecimentos, da desmotivação do professor por parte da classe política, que destina parcos recursos orçamentários com salários muitas vezes afrontosos frente à importância da causa da educação; porém acreditamos que existem alternativas viáveis como é o exemplo do método APAC, que é profundamente desafiador e que não é fácil, contudo acreditamos no seu potencial de transformação das estruturas vigentes.

BIBLIOGRAFIA:

DEWEY, John. Experiência e educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971. Tradução de Anísio Teixeira.
FORTUNA. T. R. Poder e educação: da sujeição à libertação. Ciências e Letras, Porto Alegre, n. 15, p. 107-117, 1995.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
ROGERS, C. R. A pessoa como centro. São Paulo: E.P. U., 2008.
ROGERS, C. R. Psicoterapia e Consulta Psicológica. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
ROGERS, C. R. Um jeito de ser. São Paulo: E.P. U., 2007.





Artigo publicado no I Encontro de Geografia do Campo das Vertentes da Universidade Federal de São João del-Rei ( UFSJ ), em 21 de outubro de 2010.

A SITUAÇÃO PRISIONAL EM SÃO JOÃO DEL-REI E COMO A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO PODE PRODUZIR CIDADÃOS OU CRIMINOSOS

Pedro José de Souza, pjsminas@yahoo.com.br, graduando do 2º período de Geografia da UFSJ
(Universidade Federal de São João del-Rei)



    Este trabalho aborda a situação prisional em São João del-Rei e analisa os espaços do Presídio Regional, antigo Mambengo, que é o sistema convencional e da APAC – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, um método alternativo de cumprimento de pena e os espaços na comunidade que podem gerar criminalidade. Segundo Mário Ottoboni, a APAC “trata da função social da pena, que é a recuperação dos condenados” (OTTOBONI, 1997, p.45-46) . Contribuiu para o trabalho um Curso de Formação para Voluntários, através de palestras, depoimentos de recuperandos que estão na APAC e que passaram pelo cumprimento da pena no Presídio e visitas ao Presídio Regional e na APAC local. A formação do espaço urbano influencia nos processos sociais, principalmente quando, na maioria das vezes, ele é concentrador de renda e socialmente excludente, facilitando a criação de áreas extremamente vulneráveis à criminalidade. A Geografia tem um enorme potencial de compreensão da violência, podendo ser instrumento de planejamento territorial.  A superlotação é uma realidade também no Presídio Regional local, com uma população carcerária de mais de 400 pessoas, com capacidade para apenas 150, desrespeitando, assim, ao disposto no artigo 88, alínea “b”, da Lei nº 7.210/84, que garante um espaço mínimo, em uma cela, de 6 m². Há apenas um médico para atender uma vez por semana 400 presos em apenas 3 horas e  um Assistente Social, sendo necessários no mínimo 20. Má conservação da saúde, instalações sanitárias e iluminação, precárias, ausência de água, má ventilação, circulação de odores fétidos, alimentação terceirizada. Os recuperandos vivem em condições subumanas, estimulando a violência. “O olhar geográfico sobre a violência permite mostrar outra dimensão da criminalidade, que é a da territorialização da mesma: a formação dos territórios da violência e como a violência se realimenta pela inércia espacial. Ao se admitir o papel do espaço urbano no processo de produção e reprodução da violência, pode-se considerar o valor estratégico do mesmo na ação sobre a violência, como mais uma alternativa no combate à criminalidade”. (FERREIRA; PENNA, 2005, p.13). A recém criada APAC de São João del-Rei, acolhe hoje um total de 41 recuperandos. Esses números constantemente mudam, devido às fugas, chegada de novos recuperandos, progressão de regime. O limite permitido é de, no máximo, 200 recuperandos. O custo por preso no sistema comum é de quatro salários mínimos, na APAC é de um salário. A reincidência no sistema comum em nível nacional é de 85%. Na APAC, praticamente zero. E tudo sem o concurso da Polícia, não existe carcereiro, os próprios recuperandos tomam conta um do outro. É garantido ao recuperando o atendimento médico, psicológico, odontológico, jurídico, alimentação saudável, assistência social, espiritual, apoio às famílias, com fundamental ajuda do voluntariado. A violência não é uma questão a ser resolvida apenas pela Polícia, sua solução não depende somente de medidas governamentais, mas também de iniciativas individuais e coletivas. “A entidade parte do princípio de que o fato criminoso se dá na comunidade, lesando-a em sua segurança e paz. Diante disso, a APAC considera imprescindível a criação de meios comunitários participativos, especialmente direcionados aos presos, visando à sua ‘ressocialização’ e, por via oblíqua, a almejada segurança e paz”. (FUZATTO, 2008, p.49).  Na APAC existem regras e disciplina, educação é base. O método nos remete ao pensamento de Paulo Freire, que dizia que a finalidade da educação é o homem ser livre. Não basta apenas abrir os grilhões, é preciso retirar o opressor de dentro de si, em um esforço pessoal, liberdade tenho que querer, já que ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. Pessoas desinformadas pensam que APAC é hotel para presos. Não, regras ali são rigorosas, porém com tratamento digno, objetivando recuperação e não reprodução de espaços de violência. A APAC contribuiu com a diminuição dos homicídios que se vem sentindo na comunidade, embora ainda não seja tão reconhecida. São João enfrentou períodos violentos, resultado de problemas sociais. A cidade tem grande população carente, periferias bastante pobres, com poucos espaços de lazer, cultura, educação, emprego. Existem bairros com diversos tipos de problemas físicos, esgotos a céu aberto, ruas mal calçadas e iluminadas. Conforme Santos (1993, p.10): “a pobreza não é apenas o fato do modelo socioeconômico vigente, mas, também, do modelo espacial”. São exemplos em São João os bairros do Tijuco, Senhor dos Montes, Araçá e outros. Esses bairros viviam em lutas de gangues, provocando diversos assassinatos. A ordem espacial assim resultante é a da urbanização perversa, da cidade excludente, na qual essa ordem espacial está sendo permanentemente recriada, reproduzida, realimentando a violência e a criminalidade, pela territorialização das mesmas. Para concluir, este trabalho mostra como as estruturas de organização do espaço influenciam na reprodução da violência e como a geografia, pela análise desse espaço, como sua categoria principal de abordagem, pode contribuir, estrategicamente. A APAC é o exemplo de reprodução de outro espaço mais viável para a sociedade, no que tange ao combate mais eficaz da criminalidade, criando espaços de efetiva recuperação do homem e preparando-o finalmente para sua inserção social e não para produção de espaços como nos Presídios, que mais se parecem com verdadeiras escolas do crime. O assunto não se encerra por aqui, visto que o tema é complexo, polêmico e multidisciplinar.

Palavras-chave: APAC; recuperando; violência; geografia; espaço.

Bibliografia:

FUZATTO, Antônio Carlos de Jesus. Socialização no Sistema Prisional Convencional e Alternativo em Minas Gerais: Estudo com Encarcerados. 2008. 142f. Dissertação (Mestrado Educação e Sociedade) – Universidade Presidente Antônio Carlos, Barbacena.

FERREIRA, Ignez Costa Barbosa; PENNA, Nelba Azevedo. Território da violência:um olhar geográfico sobre a violência urbana, São Paulo, nº18, pp. 155-168. Disponível em http://www.geografia.fflch.usp.br/publicacoes/geousp/Geousp18/Artigo11_Ignez%20e%20Elba.pdf. Acesso em 21 de Julho de 2010.

OTTOBONI, Mário. Ninguém é irrecuperável. APAC, a revolução do sistema penitenciário. São Paulo: Cidade Nova, 1997. 159p.

SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008, 176p.



15/04/2011
por Leonardo Boff


   Esta frase é de F. Nietzsche e quer dizer: o ser humano é um ser paradoxal, são e doente: nele vivem o santo e o assassino. Bioantropólogos, cosmólogos e outros afirmam: o ser humano é, ao mesmo tempo, sapiente e demente, anjo e demônio, dia-bólico e sim-bólico. Freud dirá que nele vigoram dois instintos básicos: um de vida que ama e enriquece a vida e outro de morte que busca a destruição e deseja matar. Importa enfatizar: nele coexistem simultaneamente as duas forças. Por isso, nossa existência não é simples mas complexa e dramática. Ora predomina a vontade de viver e então tudo irradia e cresce. Noutro momento, ganha a partida a vontade de matar e então irrompem crimes como aquele que ocorreu recentemente no Rio.
Podemos superar esta dilaceração no humano? Foi a pergunta que A. Einstein colocou numa carta de 30 de julho de 1932 a S. Freud:”Existe a possibilidade de dirigir a evolução psíquica a ponto de tornar os seres humanos mais capazes de resistir à psicose do ódio e da destruição”? Freud respondeu realisticamente:”Não existe a esperança de suprimir de modo direto a agressividade humana. O que podemos é percorrer vias indiretas, reforçando o princípio de vida (Eros) contra o princípio de morte(Thanatos). E termina com uma frase resignada:”esfaimados pensamos no moinho que tão lentamente mói que poderemos morrer de fome antes de receber a farinha”. Será este o destino da espernaça?
  Por que escrevo isso tudo? É em razão do tresloucado que no dia 5 abril numa escola de um bairro do Rio de Janeiro matou à bala 12 inocentes estudantes entre 13-15 anos e deixou 12 feridos. Já se fizeram um sem número de análises, foram sugeridas inúmeras medidas como a da restrição à venda de armas, de montar esquemas de segurança policial em cada escola e outras. Tudo isso tem seu sentido. Mas não se vai ao fundo da questão. A dimensão assassina, sejamos concretos e humildes, habita em cada um de nós. Temos instintos de agredir e de matar. É da condição humana, pouco importam as interpretações que lhe dermos. A sublimação e a negação desta anti-realidade não nos ajuda. Importa assumi-la e buscar formas de mantê-la sob controle e impedir que inunde a consciência, recalque o instinto de vida e assuma as rédeas da situação. Freud bem sugeria: tudo o que faz surgir laços emotivos entre os seres humanos, tudo o que civiliza, toda a educação, toda arte e toda competição pelo melhor, trabalha contra a agressão e a morte.
   O crime perpretado na escola é horripilante. Nós cristãos conhecemos a matança dos inocentes ordenada por Herodes. De medo que Jesus, recém-nascido, mais tarde iria lhe arrebatar o poder, mandou matar todas as crianças nas redondezas de Belém. E os textos sagrados trazem expressões das mais comovedoras:”Em Ramá se ouviu uma voz, muito choro e gemido: é Raquel que chora os filhos e não quer ser consolada porque os perdeu”(Mt 2,18). Algo parecido ocorreu com os familiares.
Esse fato criminoso não está isolado de nossa sociedade. Esta não tem violência. Pior. Está montada sobre estruturas permanentes de violênca. Aqui mais valem os privilégios que os direitos. Marcio Pochmann em seu Atlas Social do Brasil nos traz dados estarrecedores: 1% da população (cerca de 5 mil famílias) controlam 48% do PIB e 1% dos grandes proprietários detém 46% de todas as terras. Pode-se construir uma sociedade sem violência com estas relações injustas? Estes são aqueles que abominam falar de reforma agrária e de modificações no Código Florestal. Mais valem seus privilégios que os direitos da vida.
   O fato é que em pessoas pertubadas psicologicamente, a dimensão de morte, por mil razões subjacentes, pode aflorar e dominar a personalidade. Não perde a razão. Usa-a a serviço de uma emoção distorcida. O fato mais trágico, estudado minuciosamente por Erich Fromm (Anatomia da destrutividade humana, 1975) foi o de Adolf Hittler. Desde jovem foi tomado pelo instinto de morte. No final da guerra, ao constatar a derrota, pede ao povo que destrua tudo, envene as águas, queime os solos, liquide os animais, derrube os monumentos, se mate como raça e destrua o mundo. Efetivamente ele se matou e todo os seus seguidores próximos. Era o império do princípio de morte.
Cabe a Deus julgar a subjetividade do assassino da escola de estudantes. A nós cabe condenar o que é objetivo, o crime de gravíssima perversidade e saber localizá-lo no âmbito da condição humana. E usar todas as estratégias positivas para enfrentar o Trabalho do Negativo e compeender os mecanismos que nos podem subjugar. Não conheço outra estratégia melhor do que buscar uma sociedade justa, na qual o direito, o respeito, a cooperação e a educacção e saúde para todos sejam garantidos. E o método nos foi apontado por Francisco de Assis em sua famosa oração: levar amor onde reinar o ódio, o perdão onde houver ofensa, a esperança onde grassar o desespero e a luz onde dominar as trevas. A vida cura a vida e o amor supera em nós o ódio que mata.

Fonte: http://leonardoboff.wordpress.com/


LIBERDADE SEM MEDO
O sucesso do presídio sem polícia
Por José Cleves em 21/12/2010


Em mais de 30 anos de jornalismo a céu aberto, nunca poderia imaginar uma cadeia sem polícia, como sonhava o advogado paulista Mário Ottobai. Em compensação, nunca duvidei de que a culpa de 80% dos presos soltos voltarem para o crime é do nosso caótico sistema prisional que, ao invés de recuperá-los, piora a sua conduta. Ou seja, os presídios brasileiros foram transformados em escolas de bandidos.
O sonho de Ottobai foi concretizado com a criação das Associações de Proteção e Assistência ao Condenado (Apacs). Trata-se de um modelo de prisão que consiste na recuperação do preso através de um sistema de autogestão. Não há polícia, guardas penitenciários, circuito interno de televisão, armas, algemas e carcereiros. Os próprios recuperandos (é assim os presos da Apac são chamados) é que tomam conta da instituição. Eles cuidam das chaves e presidem o Conselho de Sinceridade e da Solidariedade. O conselho é responsável pela parte criminológica e disciplinar do sistema, deixando pouca coisa a ser resolvida pela administração e a Justiça.
Parece mentira, mas este revolucionário sistema prisional funciona maravilhosamente e é o caminho para a diminuição da criminalidade no país. Visitei, dias atrás, uma unidade da Apac em Nova Lima, cidade distante 22 km de Belo Horizonte. Fiquei maravilhado com o que vi. Fui levado ao local pelo juiz Juarez Morais de Azevedo para a diplomação de 40 dos 72 presos que concluíram cursos profissionalizantes no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Aliás, conheço o juiz há alguns anos e ele sempre me falou das maravilhas da Apac. À véspera da visita, talvez para convencer-me de suas convicções, Morais sugeriu que eu ficasse preso na instituição por alguns dias para testemunhar o que ele estava dizendo. Aceitei o desafio, mas não foi preciso a experiência.
Tornozeleiras eletrônicas
Bastou pouco mais de uma hora misturado entre os presos para perceber, com clareza, as verdades ditas pelo juiz. A solenidade de formatura foi no interior do prédio, que fica à margem da MG 030, na propriedade do antigo distrito de Honório Bicalho. Fui recepcionado pelos presos, que abriram as portas da instituição, grade por grade, até o meu acesso ao local da formatura, que ocorreu com a presença de todos eles.
Lá estavam, além do juiz Juarez Morais, o desembargador Joaquim Alves de Andrade, a promotora de justiça de Nova Lima, Elva Cantero, a ex-presidente da entidade, Neusa Barbosa, e o atual presidente, Leno Dias, que acabava de ser eleito para o cargo.
O que testemunhei é inédito para este velho repórter. Nada ali, além das grades, lembrava um presídio. Parecia um desses colégios internos do pós-guerra, com uma diferença: a disciplina rígida era feita pelos próprios internos, olho no olho, sem qualquer dificuldade. Visitei biblioteca, oficinas de trabalho, cozinha, padaria e celas. Chequei toda a parte física da instituição e fiquei impressionado com as estatísticas. O percentual de presos que retornam ao crime é de 6,6%, contra uma média nacional acima de 80%. O percentual de fuga não chega a 5% – mesmo assim elas ocorrem pela abstinência de drogas, já que a maioria dos internos vem desse flagelo. Não há briga de presos, não há cara feia, não há revolta.
Os 40 presos diplomados naquele dia estudaram no prédio do Senai que fica no centro de Nova Lima, para onde foram de ônibus comuns, sem escolta. Constatei que o juiz Juarez Morais, fundador da Apac de Nova Lima juntamente com o desembargador Joaquim Alves, que coordenou o Projeto Novos Rumos, da Execução Criminal do Tribunal de Justiça de MG, tinha total razão ao afirmar que os presos deixam a Apac melhor do que quando entraram.
Este modelo de prisão é tão eficiente que o juiz Juarez Morais aposta todas as suas fichas, também, no uso das tornozeleiras eletrônicas para monitorar os presos em liberdade condicional através do satélite. Ou seja, além de reeducar e ressocializar presos do regime fechado e semi-aberto, o juiz acredita que pode soltar condenados de bom comportamento para que eles possam cumprir as suas penas trabalhando normalmente, com total segurança para a sociedade.
Reduzir a criminalidade sem inflar os presídios
Antes desse benefício, o sentenciado recebe um mapa dos locais onde ele não pode ir. Essas informações vão para uma central do Fórum e da PM que pode, por meio desse recurso, vigiar o preso 24 horas. Digamos que o preso está em um local e necessita de sair de sua "ilha" por algum motivo relevante; basta ele pedir ao juiz a autorização pelo microfone instalado no aparelho preso ao tornozelo e aguardar a decisão.
A eficiência da tornozeleira eletrônica está comprovada em vários países. Agora, que comprovei também o sucesso da Apac, posso afirmar, com certeza, que a solução para se reduzir a criminalidade sem inflar os presídios existe. Basta confiar nas pessoas que acreditam nisso e proporcionar condições para que elas possam levar seus projetos adiante, com uma grande economia para o país.
O custo-benefício da Apac é fantástico. O preso sai a R$ 500,00/mês, contra os R$ 2,2 mil do modelo convencional, fora a redução da população criminosa, na faixa de 60 a 80%. O Brasil conta atualmente com 500 mil presos e pode, a médio prazo, baixar esse quantitativo para 150 mil, mesmo com o aumento da repressão. Basta proporcionar a esses jovens uma segunda oportunidade, através da sua ressocialização, como determina, aliás, a Lei de Execuções Penais.
Eu, que vivi metade dos meus 60 anos frequentando cadeia e retratando a criminalidade, não poderia recomendar a Apac a ninguém se não tivesse a certeza absoluta de sua eficiência.

Fonte:http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=621CID003





Um comentário:

  1. O autor do artigo "Liberdade sem Medo", cometeu um pequeno erro, talvez ortográfico, quando ele diz o nome de um dos fundadores da APAC, Mário Ottobai, quando na verdade o nome é Mário Ottoboni.

    ResponderExcluir